27 de abril de 2008

Professor publica artigo explicando o porque dele não aceitar lap top do governo estadual

POR QUE NÃO QUERO MEU LAPTOP?

Sergio Murilo de Oliveira Leal

Professor de Matemática do CE José Fonseca, Valença - RJ

Depois de fazer uma reflexão sobre o Programa Conexão Professor, do Governo Estadual, cheguei a conclusão que era melhor não aceitar a máquina a mim destinada. Inúmeros motivos, que passo a enumerar, me levaram a tomar tal decisão.
Primeiro, o professor, principalmente da área de exatas, pode tranqüilamente dispensar esse recurso didático, uma vez que um bom quadro de giz o substitui com perfeição. A Matemática e ciências afins precisam de demostração do raciocínio passo a passo e, infelizmente, um laptop não se presta muito para isto. Somente se todos os alunos possuíssem o seu para que vendo o desenvolvimento etapa por etapa possam compreender a resolução de algoritmos, problemas,etc. Dessa forma, prefiro o meu quadro de giz. Mesmo sendo antigo e obsoleto, sua eficácia é incontestável.
Segundo, o programa de distribuição de laptops é totalmente extemporâneo. Com certeza não foi acompanhado de uma análise das reais condições do magistério.
O professor do Estado sofre um profundo destímulo e não será uma máquina ultramoderna que irá modificar o quadro ruim da educação fluminense. O governador com certeza sabe disso, mas ignorou o fato. Muitos entram para as salas de aulas cheios de problemas financeiros, pois o piso salarial é ridículo e não supre as necessidades do professor, outros, cansados pela extenuante jornada de trabalho, já que se dividem em duas, três escolas para poder ter um nível de vida razoável e digno. Já outros estão assoberbados de trabalho com as inúmeros horas extras (as famigeradas GLPs) para poderem ganhar mais.
Fora os outros que têm outros empregos ou funções (vendedor, principalmente) e não se dedicam integralmente à carreira como deveriam e desejavam. Ora como se pode ensinar bem se o magistério público virou um subemprego? Se nosso alunado não quer estudar, cabe a nós estimulá-los a entrar no maravilhoso mundo do saber, mas como, se o piso salarial é irrisório? Senhor Governador, o ensino no estado já está falido como demonstra o Enem, no qual as piores escolas são estaduais! Um laptop distribuído a esmo não irá modificar a situação. O que me deixa mais indignado é o fato de que o Senhor sabe de tudo, mas por razões que desconheço optou por esse programa abominável. Só posso imaginar que motivos politiqueiros determinaram sua decisão.
O senhor vive alegando que não tem dinheiro para aumentar o piso, mas gastou setenta milhões na compra dessas máquinas, dinheiro oriundo do Fundo Estadual de Pobreza. Fundo esse cujos recursos vêm de uma alíquota de ICMs altíssima. Todo cidadão contribuí compulsoriamente quando compra um quilo de feijão, arroz, etc. E o senhor gasta na compra de algo que em nada modificará o quadro ruim de nossa educação pública, cujo o cliente principal é o filho do trabalhor assalariado que tem salários de fome. Tudo me leva a crer em uma ação deliberada a fim de deixar o povo na mais absoluta ignorância. Assim, conquistar o voto desse tipo de cidadão é extremamente fácil, já que ele não pensa e nem tem a consciência crítica necessária para avaliar a qualidade dos homens que postulam os cargos eletivos. Cria-se um círculo vicioso. Em cada eleição, são eleitas pessoas descompromissada com a coisa pública que compram os votos e precisam subtrair o dinheiro do erário público para se enriquecer e adquirir o voto daquele eleitor pobre e ignorante. Os pleitos ficam cada vez mais caros e portanto, o povo paga impostos extorsivos para manter o luxo e os privilégios de uma casta burocrática e inoperante. Nunca sobrará dinheiro para uma escola pública de qualidade, inclusiva e eficiente, porque o custo da máquina administrativa do Estado brasileiro consume uma parcela enorme de nossos tributos.
Somente uma educação pública de excelência romperá esse círculo, libertando a população e melhorando a qualidade de nossos políticos. Sei que quando o Senhor resolveu comprar computadores não estava pensando em nada disso que acabei de relatar. Talvez, pensasse nas eleições e em transformar o professor insatisfeito em seu aliado. Todavia, contribui para aprofundar a falência da rede estadual e perpetuar práticas políticas antigas e retrógadas, cuja finalidade é manter um grupo político eternamente no poder (lê-se PMDB).
Parece que sou contra a modernização das práticas docentes. Para mim todos os mestres e os alunos já deveriam ter computador e pleno acesso à Rede Mundial de Computadores. Defendo inclusive a inclusão da Informática no Núcleo Comum Nacional, pois vivemos na Era Digital e o computador está presente em qualquer lugar, tornando a Informática imprescindível para a vida futura dos estudantes, principalmente, no momento de encontrar trabalho. Todavia, o magistério estadual clama por direitos, respeito e valorização! E o senhor sabe disso! Não esqueço a carta enviada para nossas casas onde o então candidato Sérgio Cabral se comprometia com as bandeiras históricas da categoria. A ousadia foi tanta que não houve pudor ao se assinar a célebre carta tornando solene o compromisso. Apenas foi mais um item no rol das mentiras pregadas.
Por tudo o que foi exposto acima só posso dizer não ao Programa Conexão Professor e só lamento que meus colegas aceitem os ditos laptops sem fazer um questionamento e uma análise objetiva dos fatos. Esse seria um bom momento de darmos um basta na situação de penúria em que vivemos e voltarmos ao ensino de excelência, marca registrada da rede a alguns anos atrás.
Basta lembrar que as escolas públicas tinham melhor conceito que as particulares num passado não tão remoto. Precisamos resgatar a consciência de classe habilmente destruída pelos governos anteriores, para juntos ensinarmos as futuras gerações que direito não se ganha mas se conquista.

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